Dr Ruy Macedo

Vítima não sensibilizada

Acidentes por Picadas de Abelhas e Vespas

Os acidentes causados por picadas de abelhas e vespas apresentam manifestações clínicas distintas, que variam de acordo com a sensibilidade do indivíduo ao veneno e o número de picadas recebidas.

A forma mais comum do acidente ocorre em indivíduos não sensibilizados ao veneno, atingidos por poucas picadas. Nesses casos, os sintomas restringem-se a uma reação inflamatória local, caracterizada por pápulas eritematosas, dor e calor. Na maioria das vezes, esse quadro evolui de forma benigna, sem necessidade de atendimento médico.

Outra apresentação clínica ocorre em indivíduos previamente sensibilizados a um ou mais componentes do veneno, que desenvolvem reações de hipersensibilidade imediata. Trata-se de um quadro grave, que pode ser desencadeado por apenas uma picada e exige intervenção médica imediata. Os sintomas típicos incluem edema de glote, broncoespasmo e choque anafilático.

A terceira forma, mais rara e grave, ocorre em situações de múltiplas picadas, geralmente por abelhas do gênero Apis, como em ataques por enxames — normalmente em ambientes rurais. Nesses casos, há inoculação de grandes quantidades de veneno, levando a diversos sinais e sintomas sistêmicos, causados por diferentes frações do veneno, como apamina, fosfolipases A e B, peptídeos da família melitina, peptídeos degranuladores de mastócitos (MCD), além de histamina, bradicinina e substâncias de reação lenta.


Quadro Clínico e Tratamento Inicial

Na admissão hospitalar, os pacientes geralmente apresentam dor generalizada, prurido intenso e agitação, podendo evoluir para torpor. O tratamento inicial inclui o uso combinado de anti-histamínicos, corticosteroides e meperidina, visando controle da dor, do prurido e da agitação.

A insuficiência respiratória pode surgir precocemente, com edema de glote, broncoespasmo e edema generalizado das vias aéreas, causados pela ação de frações do veneno. Nestes casos, são indicados anti-histamínicos, corticosteroides, adrenalina, além de traqueostomia e/ou intubação endotraqueal com ventilação assistida.

Hemólise intensa é frequente, podendo levar à insuficiência renal, devido à ação da apamina, dos peptídeos da melitina e da fosfolipase A sobre as membranas dos eritrócitos. Também pode ocorrer hipertensão arterial, provavelmente associada à hiperatividade simpática.


Tratamento de Picadas Isoladas em Indivíduos Não Sensibilizados

O tratamento consiste na administração de anti-histamínicos sistêmicos e corticosteroides tópicos. Recomenda-se a dextroclorfeniramina (Polaramine®), 2 a 6 mg via oral a cada 6 a 8 horas, por 3 a 5 dias, conforme evolução. Pode-se associar corticosteroides tópicos com ou sem mentol a 0,5%.


Tratamento em Indivíduos Sensibilizados (Reações Anafiláticas)

O manejo é semelhante ao indicado para outras reações anafiláticas, incluindo o uso de adrenalina, corticosteroides, anti-histamínicos e suporte respiratório, conforme descrito no capítulo específico.


Tratamento em Casos de Múltiplas Picadas (Emergência Médica)

Este tipo de acidente exige cuidados intensivos. Ainda não há soro específico contra veneno de abelhas ou vespas, mas medidas terapêuticas devem ser iniciadas imediatamente:

  1. Prometazina (Fenergan®) IM: 1 ampola em adultos; em crianças, 0,1 a 0,5 mg/kg.

  2. Meperidina (Dolantina®) IM: 1 ampola em adultos; em crianças, 1,5 mg/kg/dia.

  3. Adrenalina aquosa 1:1.000 SC em caso de choque: 0,5 a 1 ampola em adultos; em crianças, 0,01 mg/kg.

  4. Aminofilina IM, em caso de broncoespasmo com sibilância: 1 ampola em adultos; em crianças, 7 mg/kg (≈0,3 ml/kg). Instalar cateter de oxigênio.

  5. Cateterização de veia central para controle da pressão venosa central.

  6. Hidrocortisona (Solucortef®) EV: 1 g em adultos; em crianças, 7 mg/kg. Manter por 3 a 5 dias.

  7. Hidratação intensiva com coloides e cristaloides.

  8. Diurese osmótica com Manitol 20%: 100 ml EV a cada 6h em adultos; 10–12,5 ml/kg em crianças, por 5 dias. Contraindicado em casos de anúria.

  9. Alcalinização da urina com bicarbonato de sódio (1–2 mEq/kg/dose EV a cada 6h) para prevenção de lesão renal por hemoglobinúria.

  10. Remoção dos ferrões individualmente, com gilete ou pinça de Halsted rente à pele, evitando compressão do reservatório de veneno.

  11. Sondagem vesical e nasogástrica.

  12. Aplicação de permanganato de potássio 1:40.000 para antissepsia das áreas picadas.

  13. Nutrição enteral com cerca de 2.000 kcal/dia.

  14. Manutenção do equilíbrio hidreletrolítico e ácido-básico.

  15. Traqueostomia e/ou intubação orotraqueal com ventilação assistida, se necessário.

  16. Diálise peritoneal e/ou hemodiálise em casos de insuficiência renal aguda.

  17. Prevenção de escaras e infecções respiratórias secundárias.